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Transparência: uma discussão gerencial?

Andando pela loja de departamentos, eis que vejo um aparelho de leitura de saldo de cartões avariado, com uma visível plaqueta afixada, dizendo: “Detectada a avaria desde XX/XX/XX”. Curiosa situação gerencial me fez refletir sobre a transparência, um valor propalado pelos noticiários recentemente, e de como esta pode nos ajudar, no contexto de melhoria da gestão, pública ou não, em uma contribuição gerencial, somada as questões políticas que se acercam da temática.


As discussões e práticas sobre transparência, ainda que tivessem a sua semente plantada no Art. 5° da Constituição Federal de 1988, tornaram-se mais intensas no Brasil pelo amadurecimento democrático ao longo de todo o período de abertura, pós-governo militar, aliado a um crescente avanço tecnológico iniciado nesse mesmo período, o que permitiu que as distâncias se encurtassem e que fosse possível, com um toque de mãos, acessar informações diversas sobre pessoas e organizações de todo o mundo, pela vulgarização da rede mundial de computadores, a Internet.


Nesse contexto, a ideia da transparência se robusteceu, como um direito e, ainda, uma necessidade de a informação estar disponível, de forma proativa, para possibilitar o controle social do Estado pela população, dando um novo significado ao conceito de publicidade, na garantia do acesso às informações de forma global, não somente àquelas que os órgãos governamentais desejam apresentar.


Como marcos legais dessas mudanças, no campo da transparência, tem-se a inclusão de dispositivos na Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF em 2009, pela Lei Capiberibe, que passou a indicar a transparência como um princípio, e, ainda, a positivar a exigência de publicação na internet dos orçamentos (receitas e despesas) dos entes estatais, nas três esferas de poder. Pode-se enumerar ainda a recente Lei de Acesso à Informação (LAI), Lei nº 12.527, de 2011, que traz como axioma que a publicidade é um preceito geral, enquanto o sigilo é a exceção, expandindo essa questão para outras áreas além da gestão orçamentária dos órgãos governamentais.


Mas, além de proporcionar um grande avanço na democratização da sociedade, na luta por direitos e na efetividade do controle social, teria a transparência uma dimensão gerencial, aplicada a governos e a grandes conglomerados empresariais? Poderia a questão da democracia, do acesso à informação, dialogar com a eficácia e a eficiência, no prisma da governança? Governança é uma palavra simples, muito usada, mas pouco percebemos o valor dessa para o sucesso e o equilíbrio das organizações, públicas e privadas.


O senso comum indica que a circulação irrestrita de informações pode comprometer as estratégias competitivas de uma organização, causar confusões no ambiente pelos boatos e interpretações errôneas provocadas pela disseminação de informações, às vezes absorvidas parcialmente, em um conjunto de possibilidades que acarreta o medo da liberdade, que nos impede, por vezes, de ver os benefícios da circulação de grande parte da informação, em especial como ferramenta de auxílio à gestão. Na verdade, nessa sociedade tecnológica, a informação circula cada vez mais, queiramos ou não. Inexistem medidas de um aproveitamento melhor, na linha gerencial, desses fluxo informacionais, em especial os espontâneos.


As políticas públicas, bem como a gestão de unidades empresariais, ainda que pensada no plano abstrato, de gabinetes e escritórios, baseadas em pesquisas e premissas construídas, se materializam no mundo real, no cotidiano, próximo ou longe dos olhos da matriz. Redes se formam, de parceiros descentralizados, como filiais e municípios, que executam parcelas das ações pactuadas nas instâncias centralizadas, em um desenho de delegação, utilizando-se a conhecida teoria do principal-agente, na qual o agente executor das ações possui muito mais informações que o principal, que as delega de forma contratual, na chamada assimetria informacional.


A circulação de informações rompe a assimetria informacional, intra e extra organização, dissolvendo as “caixas-pretas” na gestão, varridas para baixo do tapete, que permitem a proliferação de vícios ocultos, de tendência crescente, que afetam, a médio prazo, a imagem da organização, a sua produtividade e até a sua sobrevivência. Ainda que a onisciência seja impossível, o corpo dirigente precisa mapear pontos críticos de seus processos de trabalho, centralizados ou não, e a transparência permite anexar atores a esse processo de circulação de informações.


Por seu turno, o cidadão ou o cliente destinatário das ações da organização necessita conhecer bem os requisitos dos serviços e produtos a serem oferecidos, para que este possa, no cotidiano, comparar o proposto (ou prometido) e o que realmente está chegando a suas mãos, encontrando veículos que permitam informar ao sistema as distorções. Afinal, a imagem da organização junto aos clientes é construída nesse momento, de recebimento do produto, culminando um processo que se iniciou na publicidade.


Assim, vantagens, benefícios, especificações devem estar claras, pois ao beneficiário não se faz possível adivinhar o que lhe reserva. Da mesma forma, a criação de espaços próprios de conversa entre os clientes, inclusive os insatisfeitos, permite que a informação circule e chegue a quem de direito, que tem interesse na mudança. Mas, é preciso perseguir, estimular e premiar a boa informação, a informação útil, que tenha como requisitos a fidedignidade, a clareza e a possibilidade de contribuir para a melhoria contínua dos processos.


A transparência é um processo informativo, de comunicação, em que um emissor produz informações focadas em um ou mais receptores, com uma finalidade. Essas informações podem provocar o receptor, para que o feedback contribua com a excelência da gestão, no famoso exemplo dos automóveis funcionais com um número de telefone e o “como estou dirigindo”, onde cada usuário das pistas contribui para que o motorista não aumente os custos com multas, seguros ou acidentes.


Ao principal, detentor do poder, interessa saber como atuam seus prepostos nas ações em parceria. Mas, essa informação, em contextos de execução descentralizada geograficamente, não é tão simples. Não basta apenas o SAC, o “0800”, o Ombudsman. É preciso que a informação disponibilizada induza à colaboração do público na resposta mais valiosa para a gestão, refinando os retornos. E cada situação, com sua peculiaridade, permite que o gestor construa ferramentas para utilizar a transparência ao seu favor, articulando com outros mecanismos clássicos como a pesquisa de pós venda, por exemplo.


Por fim, vê-se que a ideia de transparência, nesse contexto democrático e tecnológico, apresenta também uma dimensão gerencial, de colaboração com a eficácia e a eficiência das ações, dos governos e empresas, quando permite que o cliente produza informações sobre os serviços prestados. Mas, para isso, a informação deve ser disponibilizada de uma maneira especial, focada nesse receptor, que pode se converter em um poderoso aliado da gestão, se enxergado como tal.


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